7.04.2007

No Mapa



Sem um mapa não se sai do lugar, não se conquista outros países, não nos aventuramos para além dos muros de nossas cidades. Governantes e imperadores sempre souberam disso e a compra e o roubo de mapas, bem como o envio de cartólogos em missões distantes, muitas vezes suicidas, sempre tiveram valor para eles e justificaram boas somas de dinheiro recolhidos em impostos. Viajar, portanto, é resultado da riqueza. Quanto mais rico, mais longe se pode ir, e, no sentido contrário, quanto mais pobre, mais isolada e restrita a vida. Na pobreza, o mundo se torna uma poça, resquício de um grande lago que secou, onde boiam peixes achando que sua casa é o mar e não seu túmulo.
Um fenômeno na internet está a caminho de erguer o maior testemunho de amor da humanidade ao planeta onde vivemos: o Google Earth e o Google Maps estão construindo o mais detalhado relatório sobre a superfície da terra, traçando não só os presentes geográficos, caóticos e espontâneos, que herdamos da natureza mas, também, nossas pegadas e construções; a engenharia humana, a nossa teia, os insetos que ali prendemos e os contornos que estavam aqui antes de chegarmos e que ainda estarão quando não mais existirmos. Do Grand Canyon a Manhattan, das Ilhas Mentawai a Pequim, da Baía de Guanabara a Vigário Geral.
Vigário Geral já foi o limite do Estado da Guanabara, quando o Rio de Janeiro ainda era a capital do país, que acabava, ali, na região por onde passava a antiga estrada Rio-Petrópolis, no mesmo ponto em que, muito tempo antes, na época da colonização, funcionava o Engenho de Vigário Geral, sobre o solo pantanoso sobre o qual a Família Real construiu a estrada de ferro que iria servi-lhes. Mobilidade é riqueza, e se a região que abriga o complexo Geral já foi passagem e caminho para cargas, viajantes e a borda da capital, hoje é seu centro, seu núcleo, palco dos dramas mais essenciais do nosso país, ferida aberta da pobreza e do castigo sentenciado a nós por nós mesmos. É em Vigário Geral, onde vivem cerca de 35.000 habitantes, que os Médicos Sem Fronteiras - ONG que têm sua imagem e razão de existir associada a palcos de guerra e tragédias humanitárias - atuam ao lado do AfroReggae, movimento cultural formado por jovens saídos do tráfico, um dos motores econômicos da comunidade junto com a Duloren Internacional e a Metalúrgica Moldenox, que também estão sediadas ali. Para quem nasce em Vigáriol Geral, mobilidade é um problema. O morador dali não pode ir à Parada de Lucas, bairro vizinho de porta, com o qual Vigário possui uma rixa sangrenta, tanto por motivos mercadológicos, o tráfico de drogas, quanto por razões que os próprios moradores desconhecem ou apenas ouviram alguém mais velho repetir, como o caso do jogo de futebol entre times das duas localidades, terminado num penalti que o goleiro de um dos times agarrou, apesar das ameaças de traficantes vizinhos, caindo abraçado com a bola e com uma bala mortal na cabeça. Ali, como em qualquer bairro pobre do Brasil, não se caminha em certos horários ou quando a polícia chega. Sem dinheiro, raramente se volta para a cidade natal, no caso de quem imigrou, e, muito menos, se viaja de férias para lugares distantes. Assistindo a um vídeo sobre o AfroReggae, ouvi da boca de uma menina, bailarina do grupo, que graças ao seu ingresso nele, já viajou para a Holanda uma vez e outras quatro vezes para São Paulo. Disse isso de maneira desiquilibrada, dando mais ênfase ao número que as localidades, mas sorrindo muito.
São Paulo e Holanda estão no Google Maps. Graças a natureza da web e à visão de seus idealizadores, qualquer pessoa no mundo, com acesso a internet, pode contribuir na construção desse legado. Eu posso colocar uma foto minha para quem quiser saber como é Mentawai ou o Guarujá, e um holandês marcar sobre o mapa de sua rua um restaurante que faz o melhor macarrão do bairro. A bailarina pode apontar por onde viajou, a casa em que nasceu e, se ela souber, onde o tal goleiro salvador do jogo de futebol lendário morreu. Estarão todos no mapa, não tem como desviar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Aí Magrin, já que esse seu post não tem nada haver com surf (mas está muito bom, diga-se de passagem) vou te dar uma informação que liga diretamente Vigario Geral ao Surf. A Clark Foam, quando existia, era em Vigário Geral!!!! IHaaaaa!!!

Anônimo disse...

Só pra nao deixar em branco, o comentario acima é meu. Lambresi.

Anônimo disse...

Boa Lambresi! Será que o tiro no goleiro tmb acertou a Clark Foam? E parabéns Felipe pelo texto. Ta show de bola.
Abraço.
Carlinhos