7.29.2007

14ºC

Do Wikipedia: HIPOTERMIA, do grego hypo, sob + thermé, calor, s.f, abaixamento da temperatura do corpo abaixo do normal (35ºC) de modo não intencional sendo seu metabolismo… Ninguém se arriscava a brincar na areia ou ficar sentado com uma cerveja vendo o mar, o que seria normal. Nem as cores apareceram. Os prédios da orla desaturaram sob a luz do dia nublado e a praia escureceu. A vista panorâmica de dentro dos apartamentos continuava, embora nenhuma das janelas estivessem abertas. Os moradores sequer apareciam por trás dos vidros que balançavam com o vento forte, frouxos em suas esquadrias. Estava assim o litoral. Os vendedores de côco, batida, milho e picolé se viram obrigados a encontrar um bico como pedreiro, pintor ou o que fosse, pois a frente fria lhes tomou parte do sustento e, nesse sábado, valeria qualquer oportunidade que lhes garantisse um qualquer.
Andar na parte rasa no sentido da arrebentação já serviu de prévia do que seria a próxima 1h30 de surfe. A água gelada encontrou caminho entre as costuras da roupa de borracha e, passo a passo, retardando mergulhar a cabeça n’água, segui até a arrebentação. As séries, com menos de 1 metro, vinham entre intervalos grandes mas no meio tempo, várias ondas menores e surfáveis balançavam o mar encrespado. Não me permiti ficar parado. Deitei em meu longboard para tirar os pés de dentro d’água e para me abaixar do vento que gelava as orelhas molhadas. Remei no máximo de ondas que pude e, para me esquentar, surfei umas três valas diferentes que formavam as ondas ao longo do canto direito de Pitangueiras e Astúrias. …sendo seu metabolismo prejudicado. Se a temperatura ficar abaixo de 32ºC, a condição pode ficar crítica ou até fatal. Temperaturas quase sempre fatais… Depois de umas boas ondas surfadas sem que eu conseguisse ultrapassar a sessão que fechava bem a minha frente, um sujeito, que já surfava desde cedo, perguntou de longe se minha quilha era daquelas que se podia ajustar com a mão. Ele se referia ao parafuso que a prende na caixa e, com minha resposta positiva, se apressou a me aconselhar, quase como se estivesse ordenando - tamanha sua certeza, a empurrá-la totalmente para trás. Por um momento achei que minha quilha estivesse solta mas, depois, entendi o que ele dizia e que, por quase um ano, estava surfando com o meu equipamento mal ajustado. Ele explicou que se a quilha central estiver muito próxima dos estabilizadores, o drag aumenta muito e a prancha perde velocidade. Foi a primeira vez que recebi um conselho dentro d’água vindo de um desconhecido. Ele continuou a explicar que sem os estabilizadores a regra é outra e a quilha pode ir mais pra frente. Peguei uma onda e tudo havia mudado realmente. Eu continuava o mesmo prego mas minha prancha ficou mais rápida, facilitando muito o cutback que consegui encaixar na onda seguinte. Não pude deixar de pensar nas ondas de Pavones em que fiquei pra trás quando sentia, logo após o drop, a borda da rabeta presa dentro d’água. Pensei também, muito grato, em como um dia frio daqueles, contraditóriamente, havia produzido um ato de camaradagem no mar. De resto, foi um bom dia de surfe como outro qualquer, com o frio indo e vindo no pensamento. …quase sempre fatais, são aquelas abaixo de 27ºC. No entanto há relatos de sobreviventes com temperaturas inferiores à 14ºC.

2 comentários:

Giovanni Mancuso disse...

Cara, final de semana retrasado inaugurei meu long 5/4/3, acompanhado das botas, mas achei que podia dispensar as luvas e o capuz, pois a temperatura do ar não estava das piores. Ledo engano. Apesar do long novo vedar satisfatoriamente a entrada da água, as minhas mãos e a cabeça doíam! Durei pouco mais do que uma hora na água de 11º e saí do mar com a certeza de que este é, sem dúvida o inverno de água mais fria dos meus 32 anos de surfe.
Um abraço, Giovanni.

eu disse...

Felipe,

Agora há relato de pelo menos 3 sobreviventes de temperatura corporal inferior a 14: eu, você e o Bahia, que saímos da água no sábado com a temperatura de uma latinha de skol.
abraço