7.16.2007
A vida a caminho do Guarujá
Abri o olho devagar. Eu já tinha acordado há algum tempo e esse processo não passou de uma negociacão racional entre eu e minhas pupilas. Fui deixando a luz entrar, desenhando na retina, pouco a pouco, os espaços do quarto, os spots de luz do teto, a cor do edredon, a TV desligada virada na minha direção e as frestas da janela. O nariz acordou depois e ajudou os olhos a encontrarem na cama, pelo perfume, a menina que dormiu comigo. A presença dela, o cansaço fruto da semana exigente e da noitada de sexta-feira foram se misturando na elaboração da desculpa para não ir surfar. Desculpa para convencer apenas a mim mesmo, afinal, já era uma hora da tarde e se meus amigos tivessem ido para a praia, já estariam n'água há muito tempo. Um rabicho de sono, esquecido em algum canto, me alcançou enquanto eu rolava para o lado, enfiando meu nariz entre os cabelos dela para me esconder da responsabilidade e dividir, assim, a culpa pela preguiça.
Mas, não. O surfe muda tudo e depois dele eu nunca mais consegui ficar na cama num sábado. Nessa tarde não seria diferente e após uma hora, gasta entre tomar café, prender prancha no teto do carro e buscar biquini, estávamos os dois, na estrada, conversando sobre a vida a caminho do Guarujá. O papo ajudou o tempo a passar e, enquanto a ouvia falar sobre bebedeiras e outras estórias, com o canto do olho vi o sol baixar cada vez mais rápido, me obrigando a fazer as contas de quanto tempo de surfe eu teria até que a luz acabasse: uma hora, um pouco mais se tivesse sorte.
Foi a primeira vez que caí no Tombo num final de tarde. A praia é virada para o sul, o que faz com que o sol se ponha no continente, bem atrás da areia. A cada onda que vinha eu me virava e, remando para o drop, dava de cara com o alaranjado e magenta das últimas luzes do dia. O mar estava bom e todos que estavam dentro d'água teimavam em deixá-lo. A visibilidade foi piorando muito graças à chegada da noite e de uma bruma que veio de longe, avançou pela areia, ruas e prédios, deixando tudo um pouco embaçado e grudento. Olhei para a praia tentando ver a menina que, mal iluminada pelas poucas luzes vindas dos bares na calçada, desaparecia entre a maresia e o breu. Quando estava para sair d'água, veio uma ótima onda. Era para ser a última, mas, de tão boa, me fez querer mais outra e me obriguei a remar de volta para dentro do mar escuro. Cheguei na areia uns vinte minutos depois e apesar dela estar lá me esperando, alguma coisa tinha acontecido entre nós. Ou deixado de acontecer, vai entender. Mas fato é que, depois desse sábado, achamos melhor nos despedirmos um do outro. Justo que tenha sido assim. Acredito que ambos saímos dali com um frame na memória: há algum tempo a bruma tinha entrado no nosso curto relacionamento e a imagem dela, desaparecendo sentada na areia, me pareceu um sinal. Talvez para ela, eu, remando para o outside naquela tarde, também tenha sido revelador de alguma forma.
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A GRANDE DESCOBERTA
(PARA UMA VIDA INTEIRA)
Muitas vezes, a fissura e a vontade de ir surfar, num sábado de manhã, com os amigos, supera até a vontade de cumprimentá-los no caminho para o mar, pois o vento terral pode dar lugar ao sudoeste (quase sempre voraz), a qualquer momento. No meu caso, a coisa pode parecer meio doentia, mas, acreditem ou não, é saudável e me torna um ser melhor, mais positivo e solidário com o próximo e com a sociedade, de forma geral. Aceitar uma onda fechada é como aceitar uma porta fechada, ou um não (a um pedido), mas sabendo que a próxima onda poderá abrir, assim como o sim poderá dar lugar ao não... Já começo a colocar a camisa de laicra e o short john (sem manga) dentro do carro, passo uma parafina rapidamente, saio correndo, atravesso a rua, e sem aquecimento algum, tenho o meu encontro marcado com a natureza, com as ondas e a minha pranchinha. Não tem dinheiro, não tem filho, não tem politicagem, não tem festa, não tem trabalho, não tem mulher, para me fazer deixar de surfar num sábado, com qualquer condição de vento e fundo. E ninguém surfa tão bem como no próprio quintal de casa. Isso não tem preço. A vida, sem esses momentos únicos, seria muito burocrática. Quando encontro com a mãe natureza, esqueço dos problemas e da vida moderna (louca e agitada). O eventual vazio dá lugar à satisfação plena do ser; e esse simples ritual (com direito, após o surfe, à água de côco e cervejinha no quiosque, de bermuda, pés descalços no calçadão e papo pro ar com os amigos) não gera grandes ambições, nem sentimentos negativos, nem inveja, nem cobiça, nem vontade de ser outra pessoa... Respeito a posição de cada um, mas a minha merece ser respeitada. Se as ondas estavam ruins e fechando, tudo bem, pois nem todos os dias a vida vai lhe abrir os braços e sorrir... Bola pra frente, até porque um simples mergulhinho já está valendo a pena... Num mundo agitado, cheio de conflitos, ao menos, me livrei (i guess) de um deles: o conflito existencial... "Não há nada que um bom dia de surfe não cure..." Estás triste, alguém lhe decepcionou, a vida lhe pregou uma peça, sofreste um golpe duro, um ente querido está sofrendo, o surfe vai lhe ajudar a remediar essas dores. Experimente você também, mas lembre-se de que, como tudo na vida, é preciso insistir, ter paciência, pois ninguém nasce aprendendo a andar, nem a patinar, sem, antes, cair no chão algumas vezes. Tudo requer tempo e dedicação, mas a recompensa vem a galope... Marcio Musa
Obrigado por Blog intiresny
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