7.23.2007
O Muro
Os prédios antigos da orla da Praia de Pitangueiras, Guarujá, me pareceram formar, juntos, um muro irregular, deslocado da geografia da ilha pelo seu tamanho e desproporção. E, por mais que soe contraditório, isso era bonito de ver dali de onde eu estava. Pareciam todos um pouco gastos e, por isso, mais verdadeiros, o que me levou a refletir sobre o tempo que as construções levam para serem absorvidas pela vida. Enquanto pensava, o mar me dava uma lição dura e gelada de que nem sempre um sábado de manhã é um sábado de manhã. Eu já boiava sobre minha prancha a uma hora e meia, tentando surfar ondas muito pequenas e exparsas e até aquele momento meu corpo não pareceu dar sinais de que se acostumaria com a água fria. Muitas vezes eu remei sem outro objetivo que não fosse me mexer um pouco. Claro que eu já sabia que as condicões seriam muito ruins e, no momento em que cheguei no litoral, pensei, ainda de dentro do carro, que talvez nem valesse a pena me molhar. Superar a vontade de desistir diante da falta de desafios proporcionada pela visão do oceano, foi, em si mesma, uma batalha a parte. Mas, depois, saindo da areia em direção ao carro, sob os olhares quase debochados de quem andava agasalhado pela calçada, fiquei com a sensação de ter valido a pena. Afinal, sombrancelhas salgadas, a boca seca e os ombros cansados são os mesmos, tenha sido o dia de surfe bom ou horrível - como no caso - e esse pensamento animou o papo na estrada de volta para casa. No canto da cabeça, a sensação de inutilidade do nosso esforço ainda sobrevivia, teimando em aparecer nos raros momentos de silêncio, e tomou força quando o trânsito nos obrigou a parar por alguns minutos na subida da serra. Foi nessa hora que, do meu lado esquerdo, vi um homen correndo em passos curtos pelo acostamento no sentido contrário ao nosso. Num intervalo de uns 15 metros atrás dele, uma mulher, também correndo, vestindo moleton, camiseta e com um agasalho amarrado na cintura, passou pelo nosso carro sorrindo, com uma expressão de otimismo inexplicável. Aquela visão me causou a sensação de déjà vu e tinha me conformado com isso até que um terceiro sujeito, mais peculiar, me saltou aos olhos. De longe, ele parecia uma mulher desajeitada e feia. Tinha cabelos encaracolados, longos e um pouco ruivos, presos como um rabo de cavalo. Usava boné vermelho, camisa branca, bermuda preta e meias marrons. O rosto era sardento e magro. Dava para imaginar o seu crânio através da camada de pele fina. Muito alto, mantinha os joelhos dobrados de maneira pouco natural enquanto dava suas passadas. Cutuquei um amigo que dirigia e apontei na direção do corredor desajeitado e imediatamente percebemos o que acontecia.
“Caralho, esse é aquele cara que passamos na descida da serra de manhã!”
Mais cedo, umas 5 horas antes, vimos aqueles três correndo num ponto da estrada muito acima e distante de onde estávamos agora. Erradamente, imaginamos ser uma corrida matinal como muitas e não o desafio que fomos perceber depois. Abrimos o vidro e nos inclinamos para fora. Queria que ele soubesse que eu tinha reconhecido o seu esforço e obstinação e no momento que ia dizer alguma palavra, ele nos olhou, fechou as duas mãos e agitou os braços no ar enquanto gritava com os olhos injetados. Surpresos, primeiro por nossa constatação e depois pela reação do corredor, o máximo que conseguimos fazer foi ficar de boca aberta, as mãos acenando um hang. Ele continuou seu périplo estrada abaixo enquanto eu fechava o vidro pensando naquela comemoração fora de hora, provavelmente muito longe do seu destino final. Ele celebrou a luta, a teimosia e não o sucesso. Comemorou a inutilidade daquilo tudo e salvou, assim, a minha manhã de sábado.
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3 comentários:
Adorei moço.. não entendo de surf, mas adoro teus posts dos sabados. A preguiça, as ressacas, o surf do fim da tarde, o carinha correndo na serra... adoro.. é a novelinha que acompanho na semana..
um bjim, passa mais aqui...
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Parabéns pelo Blog, acabei de conhecê-lo (o Blog)através da indicação em um blog de um amigo (giovannimancuso.blogspot.com), muito bem escrito. Parabéns, com certeza vai para os favoritos tbém.
Abraçõa e vida longa!
Carlos Eduardo "Gringo"
du caralho!!!!! belo texto, belíssimo blog! muito bom saber que nem só de acéfalos vive o surfe, como as publicações nacionais especializadas nos fazem crer.
Dima (rodrigosrf@hotmail.com)
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