6.18.2007

Ô, lá em casa

Não moro mais no Rio. Moro em São Paulo e, sempre que posso, vou surfar nas praias do litortal paulista como fazem todos os surfistas que trabalham e vivem na capital. A estrada é boa e, não importa o destino, sul ou norte, sobram opções de praias e ondas. Nesse final de semana cumpri o ritual migratório e fui para Iporanga, logo depois do Perequê, no Guarujá. Uma mistura de condomínio de alto padrão com reserva ecológica. Ali, a areia da praia acaba próxima ao paredão verde de Mata Atlântica que cobre os morros que surgem de surpresa de dentro do mar e vão ganhando altitude conforme nos dirigimos à São Paulo novamente. Habitação diária para muitos pássaros e micos e abrigo de temporada para os milionários paulistas que pagam caro para ter uma casa em frente à praia e para manter a floresta bem preservada. Preço alto, mas que concede uma àurea de responsabilidade aos proprietários e a garantia de que as praias continurão sendo quase exclusivamente deles sob os olhos da lei. Pelo menos enquanto todos acreditarem que naquele lugar se mantém uma reserva florestal e não apenas um condomino abastado. Essa confiança é constantemente abalada, graças ao exageros arquitetônicos cometidos nos lotes cada vez mais escassos para se comprar, e restaurada novamente quando os olhos encontram a variedade de vida da floresta exuberante, caótica, quase opressiva, que ocupa cada milímetro das encostas daquele beira-mar.
Acontece que nas três praias dali - Iporanga, São Pedro e Itaguaíba - quebram boas ondas e os surfistas sabem disso. O resultado prático da mistura de moradores com os surfistas ansiosos normalmente é o excludente clube dos proprietários lotado, a areia vazia e, na água, vários de nós esperando por uma boa onda, por uma gentileza de alguma tempestade distante no meio do Atlântico Sul com destino certo: eu, sentado boiando no meu longboard vermelho, mergulhado até a cintura na água verde escura, reflexo da floresta à minha volta.
Chegamos na sexta-feira tarde, quase duas da manhã, depois de descermos a Rodovia dos Imigrantes de maneira despreocupada e sem riscos. Além de saber que acordaria de frente para as ondas, o papo e a música me fizeram dirigir sem pressa. Hora pensando no próximo assunto, hora curtindo a música que tocava - parte essencial das nossas conversas durante o caminho.
No dia seguinte não deu onda. Ponto. Eu, de pé na praia, debaixo de chuva e vento frio, não consegui fazer os elementos entrarem em harmonia para o surf. O mar não mudou para melhor apesar de mim e todas as fichas foram empurradas para o domingo, quando finalmente o mar subiu e a ondulação se tornou um pouco mais intervalada e sólida, o que pude verificar, animado, logo cedo pela manhã. Fui um dos primeiros a cair e como o swell era de sul, condicão que não favorece muito o lugar onde eu estava, me vi surfando algumas poucas ondas frias e irregulares de Itaguaíba. Sem roupa de borracha, consegui ficar dentro d'água por muito pouco tempo. Fiquei tentando me convencer de que não estava num bom dia e acabei deixando o mar mais rápido do que deveria. Eu sairia mais cedo ou tarde, claro, mas a verdade é que a paz que eu procurava no surf naquele dia, só fui encontrar mesmo de volta para casa, no quarto, debaixo do edredon, luz do abajur acesa, lendo um livro que pôs de lado, sorrindo pra mim, quando entrei todo molhado e com saudade.
(No final da tarde eu surfei novamente, com o longboard do Ricardo namorado da Mariana, dona de uma casa linda e agradável virada para a baía razoávelmente abrigada de Iporanga.)

Um comentário:

Mari disse...

Milionários paulistas? Tá valorizando meu passe, heim. Quem dera... Rsrs.