6.30.2007

Assistindo:


Slava's Snowshow

Quilhas - História ( Parte I )






Até metade dos anos 30 do século passado, o surfe cambaleava entre o desaparecimento total e a insignificância. Os poucos praticantes desse esporte, banido pelos colonizadores europeus que tomaram conta do Havaí, surfavam em pranchas gigantescas, pesadas e sem quilhas, o que lhes permitia apenas seguir a onda em linha reta, no sentido da areia. Na tentativa de garantir o miínimo de navegabilidade, muitos colocavam o pé de trás para fora da prancha, improvisando, dessa forma, um pequeno leme com o próprio corpo. Quando não, podiam contar apenas com as rabeta ponti-aguda (foto), que, mergulhada n'água, ajudava muito pouco a dar-lhes direção. O surf parecia, assim, caminhar para o esquecimento total, se não surgisse nesse momento Tom Blake (foto), o homem que, sozinho, pode ser considerado o responsável pelas inovações que mudaram completamente a paisagem das praias do mundo e que instituiram um novo conceito de vida para milhares de pessoas. Graças a Blake, o surfe deixou de ser uma curiosidade primitiva para se tornar, mais que um esporte, um dos motores culturais, moldador do comportamento humano, mais importantes da atualidade.
Hoje, é praticamente impossível se chegar em algum lugar do globo sem que ali se encontre a presença de uma comunidade local surfista. Esse feito se deve a três invenções de Blake que, nessa ordem de aparecimento, mudaram tudo: primeiro, Blake reiventou a prancha, desenvolvendo um modelo menor para a época - 15 pés, mais leve, estreita e muito mais manobrável. Logo depois inventou a quilha, inspirado no desenho de uma bolina que tirou de um pequeno barco encalhado na areia. Finalmente, desenvolveu a caixa-estanque, dispositivo onde o fotógrafo poderia proteger sua câmera da água, inventando a fotografia de surfe, que garantiria ao esporte nada menos que a fenomenal relevância cultural que possui.
A primeira quilha desenvolvida por Blake, conhecida como a SKEG, tinha 1' de base por 4", era feita de metal e, segundo palavras do próprio Blake "Só tornou-se realmente efetiva dez anos depois, quando as pranchas ficaram menores e mais leves". Um dos principais componentes na evolução e aplicabilidade das quilhas foi o experimentalismo e o próprio Blake rapidamente passou a considerar novas formas e materiais na sua fabricação.
10 anos após sua invenção, a SKEG adquiriu, na mão de Bob Simmons, o seu desenho final, agora mais profundo e com mais área, que permaneceu praticamente intocado desde então. Ao mesmo Simmons podemos atribuir, ainda nos anos 40, a invenção do uso de múltiplas quilhas numa mesma prancha, mais precisamente a biquilha (foto).
Nada aconteceu nos 20 anos seguintes até que, na metade dos anos 60, o californiano George Greenough, inventor, surfista de kneeboard e praticante de matresses surf (surf praticado com colchões de ar, resgatado ao olhos do público atual no filme Sprout, de Thomas Campbell), chegou no desenho, inspirado nas barbatanas do atum azul, da quilha que temos hoje como default para pranchas monoquilhas: base mais estreita, mais longa e curvada e muito mais profunda. Graças a ele, passou-se a perceber a relevância da área da quilha e de sua curvatura para um melhor desempenho.
Nos anos 70, o conceito da biquilha, primeiramente desenvolvido por Bob Simmons voltou a tona graças a uma nova forma de se pensar as pranchas: a fish de Steve Lis. Menor e mais "gordo", esse desenho dispensava a necessidade de quilhas mais profundas cujo principal benefício era agarrar a rabeta da prancha dentro d'água. Mark Richards foi o primeiro a adotar esse novo modelo, levemente modificado por ele, em competições internacionais e suas rasgadas radicais, jamais presenciadas até então, lhe garantiu 4 títulos mundias consecutivos, de 79 a 1982. Continua.

Tom Blake, o primeiro surfista moderno,
faleceu aos 92 anos em seu estado natal, Wisconsin.

6.29.2007

6.28.2007

Quilhas - Prefácio


A grande diferença em surfar de longboard, e não de pranchinha, é que a tua relação com a onda é a de um passageiro, e, ao mesmo tempo, a de capitão, literalmente manobrando uma embarcação em movimento, um dispositivo que se submete de forma muito mais caprichosa, e também respeitosa, aos elementos. Para o surfista de pranchinha, além da relação mais direta com a água, me parece muito tentador, claramente inevitável, o desejo de se colocar de forma não natural à onda, agredindo-a em posições cada vez mais improváveis.
Sendo longboarder, portanto, fez com que o desejo de conhecer as razões de meus equipamentos, aumentasse proporcionalmente à minha evolução como surfista. Por isso, decidi publicar aqui 3 artigos sobre um dos componentes mais maleáveis, mutáveis e variados do desenho de uma prancha: a quilha. Faço isso para, claro, dividir com você o conhecimento e, enquanto escrevo, compreender melhor minhas possibilidades e a evolução do surf, esporte que ultrapassa tudo o que já fiz na vida.
Cada um desses artigos se ocupará de um aspecto: história, desenho e funcões. Se for bem sucedido, talvez avance um pouco mais e fale sobre o desenho de pranchas, mas, isso, só depois. Desde já, vale lembrar que se você tiver algo a acrescentar ou corrigir, fique à vontade, quanto mais contribuições, melhor. Até.

Imperdoável

Te convido
A passar a noite
Mas não
Chamo Deus
Vamos suar
O álcool
E sujar paredes
Os dois, ateus
Rasgando
Cortinas
Para que
A lua veja
Só você e eu
Ouvindo:


6.25.2007

Remando ( PAVONES - PARTE II )


Ao contrário da maioria dos dias que ficamos na Costa Rica, a nossa chegada em Pavones foi presenteada com o sol. Era começo de junho e essa nossa primeira experiência no país nos ensinou que a tradicional temporada de chuvas, que tem maio e junho como ápice, deve ser levada a sério. Além do sol, um swell de 5 feet apinhou o line up de cabeças e esgotou a oferta de quartos que o pequeno pueblo tinha para oferecer nos dias que seguiram.
Eu e Marquinhos estávamos ansiosos para cair na água e foi o que fizemos, assim que garantimos nossas instalações para os nossos próximos 5 dias em Pavones. O primeiro obstáculo foi decidir onde surfar. Como a onda lá é longa e mal conseguíamos enxergar o pico, que quebrava um pouco longe, escolhemos seguir a pequena crowd que dividia a terceira sessão. Tinha de tudo, israelenses, brasileiros, americanos, longboards, kneeboards e bodyboards. Alguns determinados a se manter naquela altura da onda, surfando o trecho e voltando remando em seguida para esperar o próxima. Muitos outros, no entanto, surfavam sessão atrás de sessão até serem cuspidos da água, e da onda, que acabava pequena, amigável, mas ainda rápida, dentro de uma pequena baía onde vi, descansando na areia, os únicos barcos daquele lugar. O fundo da praia se misturava ao fundo do rio, ambos formados por milhares de pedras redondas, polidas e escuras, restos de vulcões despejados no mar e por ele trabalhados até adquirir esse formato. A saída para quem decidia surfar a onda assim, pedaço a pedaço, era voltar andando por essas pedras, evitando assim a corrente do rio e do mar que, juntos, dificultavam muito a remada.
Logo na chegada conheci um longboarder brasileiro, de Floripa, que estava ali com um grupo grande do sul. Foram deles a dica, dias depois, para que eu e Marquinhos conhecêssemos um cidade perto dali, na fronteira com o Panamá, onde encontraríamos muita roupa e eletrônicos baratos. Fiquei assistindo um tempo ele surfar para que tivesse algum tipo de parâmetro e o vi pegar boas ondas. Logo percebi que, ali, tudo acontecia muito rápido e de duas maneiras: ou a série entrava um pouco mais para dentro do Golfito, abrindo assim uma onda maior para quem estava na altura onde quebram a segunda ou terceira sessões, até mesmo possibilitando um direira para quem estava mais para dentro do pico, ou vinha mais fechada, lambendo as rochas das prainhas que ficavam mais ao sul, possibilitando uma onda mais longa, mais aberta, sendo dropada em sua extensão por vários surfistas, um em cada trecho, todos acreditando que aquele que surfava antes de si não conseguiria chegar até aquela sessão sem que a onda fechasse. Na maioria das vezes era isso o que acontecia e mesmo quando o talento e a sorte ajudavam quem vinha mais de trás, a rabeada inevitável era levada na esportiva e sem gritos ou caras feias. Exatamente como deveria ser em qualquer outra onda do mundo.
Demorei até pegar a primeira, que não foi das melhores. Voltei. Boiei mais um tempo e tomei coragem.
Uma nova série subiu mais para dentro do golfo e uma onda de uns 4 ou 5 feet subiu na minha frente, sem que ninguém tivesse conseguido surfar o trecho anterior ao que eu estava. Olhei para trás e vi uma linha inteira de surfistas, ainda longe do ponto do drop, vindo remando na minha direção. A onda era minha, parte por merecimento por estar no lugar certo, parte pelo W.O. coletivo daqueles que tinham se deixado levar para longe do lugar onde ela começaria a quebrar. Não precisei remar muito e longo me vi, em velocidade, de pé, lutando para me manter no topo da onda, projentando a prancha para frente o máximo, mais rápido, me esforçando para não deixar a onda me ultrapassar. De canto de olho, meio assustado, reparo nos outros surfistas furando minha onda, mergulhando a cabeça dentro d'água com os olhos presos em mim. Pronto. Começou a funcionar. A prancha, o mar, meu corpo, tudo, mesmo que por apenas alguns segundos, falaram a mesma língua. Não tenho como descrever cada detalhe, não é assim que funciona. Na minha memória apenas uns flashes do azul, do branco da espuma, dos meus passos para o bico, a prancha andando mais rápido, de volta com os pés para a rabeta, agora sim, o bottom mais adiantado, de novo no topo, mais uma andada pro bico, os braços para cima me equilibrando, do meu lado esquerdo, para trás da onda, os surfistas olhando, a água lisa, a tranquilidade, do lado direito, a descida, o lip girando, embranquecendo, a velocidade, o brilho do sol refletido na parede da onda que vai fechar, me obrigando a andar pra trás, mas não dá tempo, o lip me derruba, giro dentro d'água, a prancha me puxa pelo leash, afundo e depois retorno à superfície. Como foi rápido, pensei depois do caldo. Porra, caralho, quero outra. Puxo a prancha, subo e toco a remar.

Manhã de Domingo

O que me falta
Te sobra
Quando respiras
Fico sem ar
O que tenho
Não enche teu copo
Fico imóvel
para não te acordar.

6.24.2007

Ouvindo:

Assistindo:

6.21.2007

Horário Marcado ( PAVONES - PARTE I )

Chegar, depois da estrada, da chuva e da porcaria do hotel na beira da estrada, foi uma benção. A ansiedade, agravada pela fila do ferry para atravessar o rio, das viradas a direita quando deveríamos ter dobrado a esquerda, dos vice-e-versas e dos buracos, foi derretendo devagarinho conforme amanhecia e a vista do mar se tornava mais frequente. Ficou claro que, de uma hora pra outra, tínhamos cruzado uma fronteira invisível por onde, dali em diante, o progresso se materializaria unicamente sob a forma da luz elétrica, a presença do estado por um solitário policial fardado e velho e a existência de algum tipo de capitalismo pelos posters das cervejas Imperial e Pielsen. Bem-vindo a Pavones. O refúgio de quem quer se encontrar e não quer encontrado.

Já eram 8h30 da manhã quando atravessamos a última ponte frágil e insegura que nos levaria ao ponto B da nossa viagem. Ela nem tremeu quando o Marquinhos, cheio de medo, acelerou, ainda na primeira marcha, pelas tábuas de madeira gastas e experimentadas. Pegamos uma reta, acenamos para o policial que fazia a ronda a pé pelo meio de algumas árvores e mais nada, e demos de cara com o campo de futebol que faz às vezes de praça em Pavones, como faziam tantos outros pelos pueblos que cruzamos em nossa viagem através da Costa Rica. A nossa direita, o bar onde passaríamos as tardes dos próximos 6 dias bebendo, conversando e assistindo o mar melhorar e piorar conforme o vento girava. Atrás dele, um muro longo e na altura da cintura, separando a praia das mesas e bancos de cimento comunitários, construídos no meio de coqueiros, castanheiras e arbustos. Fazia sol e logo paramos o carro para, antes mesmo de nos preocuparmos de fato em encontrar uma pousada, tentar descobrir onde quebrariam as ondas da esquerda tida como a mais longa do Hemisfério Norte. Andamos sentido sul, ladeando o muro, que depois virou matagal, que abriu numa clareira, depois num emaranhado de troncos e galhos espalhados sobre a areia escura da praia de onde se via a boca de um rio razo, razoávelmente largo e pedregoso. Avistamos dali que, ainda mais para o sul, atravessando o rio, pequenas praias apinhadas de rochas e árvores continuavam se multiplicando até a boca do Golfito em forma de ferradura onde Pavones ocupa o canto direito, bem na entrada por onde, diariamente, o Pacífico remete seus swells. Quase no horizonte começavam a quebrar as ondas que cruzariam as rochas, as praias, o rio, a ponta onde estávamos e continuaria percorrendo, depois de nós, a lateral do campo de futebol, as árvores, o muro de cimento, o bar, para, finalmente, acabar numa pequena baía abrigada logo na entrada da cidade. Todo esse percurso, se fôssemos incluir a travessia do rio, nos consumiria uns 20 minutos andando, pelo menos. Depois de fazer as contas, fechamos a boca e saímos correndo em direção ao carro. Precisávamos encontrar logo um quarto para largar as malas, desemcapar as pranchas e voltar exatamente para aquele mesmo trecho de onda que vimos na frente do rio, onde quebrava a segunda ou terceira sessão de Pavones. Ali, a crowd, que começava a entrar no mar, seria menor, bem como as ondas que, depois de uns belos 100 metros percorridos desde o pico, parecia começar a perder tamanho. Uma boa iniciação, pensamos os dois.

Encontrar um quarto decente em Pavones não foi tarefa fácil. Mesmo que quiséssemos gastar um bom dinheiro em troca de conforto, o que não era o caso, o pequeno pueblo não parecia oferecer qualquer tipo de pousada mais estruturada, com, por exemplo, algum tipo de café-da-manhã ou pequenos confortos fáceis de serem encontrados em outras cidades daquele país. Muito pelo contrário, na nossas primeiras tentativas nos deparamos com quartos apertados, muitos sequer sem janelas, com um cano saindo da parede para o banho frio, um vaso sanitário e pia, sem ao menos uma porta que os separasse do espaço onde uma cama com um colchão velho estava montada. O acesso a esse palácio especificamente, era atráves de um porta que abria no pé de uma escada de azulejos mal cheirosa e cheia de remendos de alvenaria. Lá em cima, mas opções de habitaciones onde só variavam a posição da cama, do vaso, da pia ou do cano na parede. Encontrar cabinas como as que ficamos em Playa Negra parecia uma hipótese surreal àquela altura. Rodamos pela estradinha que circunda o campo de futebol, atravessamos mais uma ponte e fomos rumando sul, paralelo à praia e às ondas que já quebravam de maneira mais regular. Voltamos para o centrinho sem ter encontrado nenhuma opção à altura do Hotel La Perla, um conjunto de seis quartos, devididos entre o andar térreo e o segundo andar, todos com ar-condicionado, ventilador de teto, banheiro, chuveiro quente e frigobar. Itens que já tinha descartado como prováveis naquele fim de mundo. Depois de chorar nossas pitangas com Julia, uma mistura de proprietária, caseira, faxineira e gerente - ela nos contou que era uma das sócias quando fomos embora - tentando abaixar o preço da diária de U$ 50, acabamos instalando nossas mochilas e laricas por U$ 45 e corremos em direção ao mar.
Os dias que se seguiram foram de ondas e muito marasmo. Quando não estávamos surfando pela manhã, andávamos pelo pueblo cruzando repetidas vezes com os amigos que tínhamos feito dentro d'água horas antes. Todos um pouco perdidos, sem opcão de destino, provavelmente tentando escapar, por alguns minutos que fosse, dos quartos com cano na parede e sem janelas. Sentar no murinho e ficar olhando as ondas quebrarem, meio que hipnotizados, como quem olha o fogo de uma lareira, era a saída comum a todos. Desse ritual se tirava a óbvia lição de que em Pavones nada acontece. Um dia, apareceu uma preguiça na árvore em frente ao bar. Fora isso, mais nada interrompia o regular andar das coisas no fim-do-mundo. O fato mais relevante talvez tenha sido as repetidas investidas do Marquinhos para jogar dominó com os locais. Depois do primeiro dia tentando sem êxito, ele foi, finalmente, aceito graças a uma brecha cavada quando um dos "residentes" teve que sair por algum motivo. Devagarinho, partida a partida, Marquinhos foi conquistando o repeito dos locais e a cada vitória sua, todos pareciam vibrar, gritar e sorrir sem a preguiça e o descaso do começo. Fato é que ele ganhou uma atrás da outra, sob o olhar atento do dono do bar, um veterano jogador, calado, magro e com o rosto marcado pelo sol e pelo tempo. O velho esperou a algazarra acabar e, enquanto se guardavam as peças e o grupo se dissolvia, puxou Marquinhos pelo braço e falou baixo, olhando-o nos olhos para que tivesse certeza de estava sendo compreendido:
- Mañana, a las quatro.
Pronto. Tínhamos sido aceitos.

6.20.2007

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6.18.2007

Ô, lá em casa

Não moro mais no Rio. Moro em São Paulo e, sempre que posso, vou surfar nas praias do litortal paulista como fazem todos os surfistas que trabalham e vivem na capital. A estrada é boa e, não importa o destino, sul ou norte, sobram opções de praias e ondas. Nesse final de semana cumpri o ritual migratório e fui para Iporanga, logo depois do Perequê, no Guarujá. Uma mistura de condomínio de alto padrão com reserva ecológica. Ali, a areia da praia acaba próxima ao paredão verde de Mata Atlântica que cobre os morros que surgem de surpresa de dentro do mar e vão ganhando altitude conforme nos dirigimos à São Paulo novamente. Habitação diária para muitos pássaros e micos e abrigo de temporada para os milionários paulistas que pagam caro para ter uma casa em frente à praia e para manter a floresta bem preservada. Preço alto, mas que concede uma àurea de responsabilidade aos proprietários e a garantia de que as praias continurão sendo quase exclusivamente deles sob os olhos da lei. Pelo menos enquanto todos acreditarem que naquele lugar se mantém uma reserva florestal e não apenas um condomino abastado. Essa confiança é constantemente abalada, graças ao exageros arquitetônicos cometidos nos lotes cada vez mais escassos para se comprar, e restaurada novamente quando os olhos encontram a variedade de vida da floresta exuberante, caótica, quase opressiva, que ocupa cada milímetro das encostas daquele beira-mar.
Acontece que nas três praias dali - Iporanga, São Pedro e Itaguaíba - quebram boas ondas e os surfistas sabem disso. O resultado prático da mistura de moradores com os surfistas ansiosos normalmente é o excludente clube dos proprietários lotado, a areia vazia e, na água, vários de nós esperando por uma boa onda, por uma gentileza de alguma tempestade distante no meio do Atlântico Sul com destino certo: eu, sentado boiando no meu longboard vermelho, mergulhado até a cintura na água verde escura, reflexo da floresta à minha volta.
Chegamos na sexta-feira tarde, quase duas da manhã, depois de descermos a Rodovia dos Imigrantes de maneira despreocupada e sem riscos. Além de saber que acordaria de frente para as ondas, o papo e a música me fizeram dirigir sem pressa. Hora pensando no próximo assunto, hora curtindo a música que tocava - parte essencial das nossas conversas durante o caminho.
No dia seguinte não deu onda. Ponto. Eu, de pé na praia, debaixo de chuva e vento frio, não consegui fazer os elementos entrarem em harmonia para o surf. O mar não mudou para melhor apesar de mim e todas as fichas foram empurradas para o domingo, quando finalmente o mar subiu e a ondulação se tornou um pouco mais intervalada e sólida, o que pude verificar, animado, logo cedo pela manhã. Fui um dos primeiros a cair e como o swell era de sul, condicão que não favorece muito o lugar onde eu estava, me vi surfando algumas poucas ondas frias e irregulares de Itaguaíba. Sem roupa de borracha, consegui ficar dentro d'água por muito pouco tempo. Fiquei tentando me convencer de que não estava num bom dia e acabei deixando o mar mais rápido do que deveria. Eu sairia mais cedo ou tarde, claro, mas a verdade é que a paz que eu procurava no surf naquele dia, só fui encontrar mesmo de volta para casa, no quarto, debaixo do edredon, luz do abajur acesa, lendo um livro que pôs de lado, sorrindo pra mim, quando entrei todo molhado e com saudade.
(No final da tarde eu surfei novamente, com o longboard do Ricardo namorado da Mariana, dona de uma casa linda e agradável virada para a baía razoávelmente abrigada de Iporanga.)

Piratas do Tietê - Laerte
Folha de S. Paulo, 18.06.2007

6.15.2007

A viagem é o destino




Depois de 10 dias juntos na Costa Rica, nosso grupo finalmente iria se separar. 5 de nós voltariam para o Brasil no dia seguinte e a session no maior dia de Playa Negra no final daquela tarde parecia promissora. O vento não permitiu que fosse clássica, mas o tamanho impressionou. Já eu e o Marquinhos, ainda com mais 6 dias a nossa disposicão, decidimos conhecer o sul do país, sem esconder a ansiedade de, mesmo sem um bom swell confirmado, chegarmos até a lendária onda de Pavones. Alugamos um novo carro e, já com toda nossa bagagem nele, nos despedimos dos amigos que caminhavam pela areia rumo às direitas de Playa Negra, ainda no começo da tarde. Abraços e correria. Uns querendo surfar as últimas ondas da trip, nós dois ansiosos para pegar a estrada e, uma vez que seríamos obrigados a pernoitar em algum ponto dela, surfar em Boca Barranca mais uma vez na manhã seguinte.
Depois de muito chão, uma noite de sono apenas razoável no Hotel Boca Barranca e mais esquerdas desse pico gravadas na memória, nos vimos rumando sul pela estrada que passa por Hermosa, Quepos e depois Dominical. Tortuosa, cheia de curvas e caminhões de carga, a cada cidade que cruzávamos a qualidade do asfalto parecia piorar um pouquinho. A sensação de insegurança foi aumentando, agravada pela chuva que cumpria seu papel tradicional dos meses de maio e junho. O vento era mais eficiente nas partes desabrigadas, onde, não por conhecidência, podíamos ver a costa sendo castigada por ondas e o horizonte do Pacífico encarneirado e tempestivo. Foi ali que percebi que algo estava mudando na viagem e em mim mesmo. Me senti numa prova, num teste, e acho que pela primeira vez, desde que chegara em San José, capital do país, onze dias antes, realmente relaxei. Compreendi o sentido de tudo aquilo. Da chuva, da estrada cansativa, do vento e da fome. Percebi que era inútil tentar cumprir uma agenda. O meu calendário de férias, o roteiro mal desenhado, o mapa no porta-treco do nosso carro, nada disso era garantia de bom surf, ou melhor, garantia do momento único que é ser presenteado pelo oceano com uma única boa onda com meu nome escrito nela. Fiquei grato por estar parado naquela estrada horrível e esburacada e finalmente consegui conversar de maneira mais tranqüila com o amigo que sentava ao meu lado e que (quem pode ter certeza?) talvez estivesse passando por suas próprias tormentas e encontrado suas próprias soluções. Não chegamos à Pavones nesse dia. Dormimos em Rio Claro, quase a duas horas de nosso destino final, em mais um hotel de beira de estrada. Os dois, exaustos e sem mais assunto, achamos melhor assim. Para que a pressa numa surf trip?


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6.13.2007

Boca Barranca



Eu surfo de longboard e poderia escrever horas sobre os motivos de não ter escolhido surfar com pranchinhas. Prefiro pular essa parte pois Allan Weisbecker, em seu livro 'In Search of Captain Zero', ainda sem tradução no Brasil, escreveu um dos melhores parágrafos sobre as razões de se escolher um longboard. Prometo postar a transcrição dele num futuro próximo. De volta ao presente, deixa eu contar sobre Boca Barranca.
Essa onda é longa, gorda e quebra na boca de um rio largo, visitado de vez em quando por crocodilos e por um pouco de sujeira que, arrastada das margens pelo grande volume d'água, acaba indo parar nas pedras que cobrem a beira da praia e o fundo daquele mar. Dá pra ver a série vindo de longe, entrando pelo point break, se misturando às águas do rio e quebrando devagar ao longo da baía larga, extensa e rasa. Uma parede de água que ameaça fechar sem conseguir pois o rio desaguando não permite. Poucas pessoas espalhadas pelo line up difícil de localizar num primeiro momento. É o céu, apesar da beleza questionável do lugar. A onda dura vários segundos. Muitos. Bons bottons, caminhadas para o bico e, para os mais talentosos que eu, cut backs abertos e, por isso, longos também. Quando vc desiste da onda - pois ela não dá sinais de que irá desistir de você - e olha para trás, pode conferir a distância inacreditável surfada. A mesma distância que vai te custar remando na volta, parte amaldiçoando, parte agradecendo a Deus.
No primeiro dia que que conseguimos surfar na Costa Rica, fomos para lá. Pegamos um mar grande e cavado em Hermosa pela manhã e chegar em Barranca quebrando 4 feet - 5 para um gaúcho que conhecemos no dia seguinte nesse mesmo pico - da maneira como descrevi há pouco, era a confirmação de tudo que esperei nos 6 meses que me preparei para essa viagem. Quase ninguém dentro d'água: 3 locais com pranchinhas, eu, Marquinhos e Gustavo. Saímos com os braços esgotados, rindo e tropeçando nas pedras que não cortaram, mas machucaram muito nossos pés no caminho de volta até o pequeno estacionamento vigiado por um local boa gente. Ele gritou um Pura Vida! depois de receber os 2 mil colons que lhe pagamos. Desfiz, mas não completamente, o sorriso no meu rosto, fruto daquela tarde, e devolvi o Pura Vida!. Voltamos mais 2 vezes para lá durante a trip. E fico voltando até hoje quando me pego de bobeira olhando pro nada.
É possível que eu te sirva.
Gostaria de saber como te servir.
Eu só quero te servir.
Talvez com minha ausência...


PAULO CÉSAR PERÉIO
Do livro "Por que se mete, porra?"

6.12.2007

Playa Negra


Depois de 2 dias nos aclimatando à Costa Rica, decidimos deixar Hermosa e subir para Guanacaste, região norte do país banhada pelo Pacífico. Lá ficam picos como Tamarindo, Avellanas, Olie's Point e a famosa Roca Bruja. Famosa não só por ter sido eternisada em Endless Summer, mas também por quebrar ondas que em dias memoráveis chegam a 22 feet. Coisa séria.
Perto de Avellanas, uns 4km ao sul, fica Playa Negra, uma direita constante, com fundo de pedra, que acaba numa banco de areia branca, onde apenas umas poucas casas parecem ter tido o direito de serem construídas. Paraíso.
Ficamos ali por uns 5 dias surfando esse pico e Avellanas. A noite, sempre monótona pela falta de pessoas e opções para se comer e beber, foi palco de grandes partidas de sinuca e de dominó. Todos bebíamos e gritávamos, protegidos da chuva torrencial pelo grande teto de sapê que cobria a construção central da Pousada Playa Negra. Sem paredes, esse carramanchão permitia a vista, apenas obstruida por algumas poucas árvores que tiveram o bom gosto de não derrubar, do point break que quebrava em frente. Do nosso lado direito, víamos as duas piscinas forradas por vitrilhos azuis escuro, iluminadas e cercadas por grama verde, mais vegetação e um espaço coberto onde permanecem esticadas três redes de dormir. Mais ao fundo, depois da piscina e isoladas da praia, ficavam as cabinas onde dormíamos.
Além do nosso grupo, formado por 7 caras, encontramos outros dois casais amigos: Fábio e Mariana, Rodrigo e Patrícia. Eles subiam de Nosara, lugar onde permaneceram surfando por alguns dias depois de gastar 2 dias visitando o vulcão. Com isso ocupamos 5 das 10 cabinas disponíveis na pousada.
Em Playa Negra as ondas quebraram com tamanho, mas o cenário estava muito prejudicado pelo vento que não parou pelos 5 dias que permanecemos hospedados no pico. Mas valeu muito. Primeiro por que surfamos ondas boas e acima da média das que podemos surfar nos breves finais de semana do litoral norte paulistano. Segundo, pela pousada - merecedora de revisitas. Terceiro, pela lembrança dos gritos de Buchada Presa e Lasque Nê que alegravam as nossas partidas de dominó e interrompiam o sono dos poucos hóspedes que se recolhiam cedo para suas cabinas.
Saudade também se decanta
Vejo através do vidro
Devagarinho
A poeira de ti
Se acumular

6.11.2007

Fui, mas já voltei

Nesse final de semana fui para o Rio.
Eu nasci lá e apesar de ter passado um bom tempo em Petrópolis depois que meus pais decidiram se mudar para a serra, sempre considerei o Rio minha cidade. É do Rio que sinto falta nesses 7 anos que moro em São Paulo.
Ir para lá é foda. Não que a minha vida aqui em São Paulo não seja boa, ela é. Mas é que lá tem os amigos. E amigo é bom demais.
Consegui me encontrar com todos que queria. 3 dias de Baixo Gávea, bebendo muito chopp e acostumando os olhos a paisagem carioca de gente bonita bebendo, rindo, falando alto e se sentindo mais malandra por pertencer ao pedaço de terra mais bacana de todo o planeta. Eles estão errados, penso. Essa mesma malandragem faz do Rio um lugar menor e mais bobo. Mas, mesmo sabendo que era errado, me senti no direito de ser malandro também. Afinal, estava no Rio, na Gávea, com os melhores amigos que alguém poderia ter, bebendo, rindo e me misturando à paisagem. Quase carioca novamente.
Ouvindo:



Lendo:




Vendo:

6.10.2007

Intro/Indo





Li em algum lugar que o primeiro blog teria surgido em 1999.
Em 2005 já eram 4 milhões. Hoje não tenho a menor idéia de quantos são.
Decidi experimentar também. Talvez pela certeza de que vou desaparecer no meio dessa multidão. Melhor assim. Afinal, o que eu poderia escrever aqui que realmente interesse a alguém?
Agora, nada. Mas talvez em 1 ano as coisas mudem.
Tenho uma viagem marcada para maio de 2008. Eu e mais doze amigos vamos para o norte de Sumatra, Indonésia, surfar algumas ondas que vemos nos filmes de surf que gostamos de assistir.
A verdade é que está será a segunda vez que iremos para aqueles lados. Há 1 ano estivemos nas Mentawai, no que se tornou a maior aventura da minha vida até o momento (Para um cara que vive em São paulo, trabalha em propaganda e que começou a pegar onda há 1 ano e 3 meses, acredite, uma viagem para um barco nas Mentawai é o que pode se chamar de aventura.).
Mas a próxima promete mais. Além do meu surf estar melhorando - minha obsessão tem superado minha falta de talento e o meu ingresso tardio num esporte muito exigente - eu tenho um plano um pouco mais ambicioso para essa proxima viagem.
Mas, por mais que absolutamente ninguém vá ler esse blog, acho que ainda é cedo para falar sobre 2008. Preciso maturar algumas idéias que tenho. A única coisa coisa que posso adiantar é que até lá preciso me tornar um bloggeiro.
Depois conto mais.


I
am nature.


JACKSON POLLOCK
ao ser perguntado sobre como
utilizava a natureza em suas pinturas.