8.14.2007

Nascimento e Morte


Nasceu Felipe, filho do meu irmão. Foi no dia dos pais, là pelas 5h00 da manhã. Rodrigo, o pai dele, não surfa e, por isso, Felipe nunca vai ter na memória a imagem de seu pai pegando onda enquanto ele brinca na areia. Eu também não tive. Meu pai, quando novo, pegou muito jacaré em Copacabana, onde morava, mas seu esporte era o frescobol. Talvez na época o surfe fosse algo revolucionário demais para ele ou apenas não lhe despertou interesse, vai saber. Mas imagino que a minha vida tivesse sido diferente se meu pai fosse surfista. Tenho certeza que chegar na praia junto dele carregando uma prancha, para, em seguida, vê-lo lançar-se às ondas, teria me causado algum tipo de impressão. Claro que o tiro poderia sair pela culátra. Meu pai é engenheiro químico e eu detesto química. Se essa regra tivesse se repetido no mar, hoje estaríamos falando sobre xadrez ou sei lá o quê. Mas fica a dúvida. Tenho amigos que se formaram médicos por que o pai era médico e talvez, como no exemplo, eu decidisse transformar o hobby do meu pai surfista numa tradição familiar, digna de emblemas, álbuns de fotos e reformas de pranchas antigas que, como relógios de parede, estariam na família há décadas contadas.
Toda vez que vou a praia e vejo um moleque brincando sozinho, imagino que há um pai surfista dentro d'água que será recebido como herói quando voltar à areia. Para não falar que deve ser mais fácil para um garoto que, treinado em identificar o próprio pai num line up distante, acaba aprendendo, simultaneamente, a decifrar as ondas e seus caprichos aleatóreos. Não consigo deixar de invejar isso, da mesma maneira que invejo o sentimento de um garotinho remando pela primeira vez no outside junto do pai e de seus amigos.
Eu ainda não tenho filhos mas namorei uma menina que tem um. Tiago adora praia e não pude evitar de lembrar dele no momento em que meu irmão me ligou para contar sobre o nascimento de meu sobrinho. Na verdade, eu já penso no menino há algum tempo e quando vi, depois de pegar onda no sábado passado, um garotinho na areia olhando para o mar, me perguntei se Tiago lembra de mim quando vê um surfista. Mais ainda, se o fato da mãe dele ter namorado comigo viria, algum dia, a empurrá-lo para dentro do mar em direção às ondas ou se sua reação seria a contrária. Nunca vou saber pois esse namoro ficou para trás embora o amor pelo garoto continue. Talvez um dia, se tiver sorte, eu esbarre com ele num sábado de manhã na Itamambuca, entrando numa onda da série para a qual eu não tive disposicão de remar. Confesso que me tomaria de orgulho e me manteria calado, como deve fazer o autor de um crime que lê sobre sua façanha no jornal do dia seguinte.
Torço para que meu sobrinho, o Felipe, surfe comigo um dia. Tiago seria muito bem-vindo e, para ser ainda mais perfeito, meu pai também. O line up de uma vida dentro d'água, vendo as ondas passarem diante dos olhos. Com sorte, um de nós pegaria um tubo. Só para provar ao tempo quem é que manda.

5 comentários:

Giovanni Mancuso disse...

Complementando o teu texto - muito bom, por sinal - te conto a seguinte passagem: no verão passado, saio do mar, pequeninho, água morna e limpinha (raridade por aqui) e encontro minha filha, na época com 3 anos e meio. Ofereço (mais uma vez) a prancha para ela brincar na esperança que, desta vez ela vença o medo e encare o desafio. E ela aceita! Indescritível a sensação. Ver a Valentina experimentando o surfe pela primeira vez, transportou-me para o passado, quando meu pai me empurrou na primeira onda, de trás da linha da arrebentação e ao mesmo tempo para o futuro, quando certamente estarei dividindo ondas com minha filha.
Abraços!

Anônimo disse...

Tambem tento incentivar minhas filhas: Giulia e Luisa na arte do Surf. Acho que esse é o sonho de todo pai Surfista.
Abs.,
Bayard.

Anônimo disse...

Felipe, obrigado pelo texto, não estou num momento de comentários, portanto, não vou falar do seu texto, que é ótimo, como tudo o que você faz. Estou num momento de graça, de felicidade, estou experimentando um sentimento que eu não fazia idéia que seria tão forte quanto é, pela primeira vez. É um amor tão grande que às vezes da medo. Tomara que o Felipe seja feliz, é só isso que eu consigo pensar até o momento. Se ele vai jogar futebol, dar uns treininhos ou pegar onda, eu ainda não tinha parado pra pensar, até agora só pedia que ele tivesse saúde pra enfrentar seu caminho, espero que ele siga nossos exemplos de ter um esporte e uma filosofia de vida voltada para o bem. A emoção nem me deixa escrever mais.... mas de uma coisa Você pode ter certeza, pode contar com o Felipe, e se não for me meter muito, comigo também, pra esse mergulho, essa onda histórica todos juntos pra fazê-lo feliz
Um beijo do seu irmão

Anônimo disse...

Esse é o texto mais bonito que vi no Chasing até o momento, Felipe. Vale muito o comentário do Rodrigo. Bonito de ler!
Tudo de bom pro Felipe que acabou de chegar.
Abraços.

Anônimo disse...

felipe,
este blog é mesmo mt bom. o meu filho ainda só diz umas quantas palavras, mas entre elas já está algo que se aproxima a prancha e tb um outro som que claramente quer dizer surf. mas o essencial mesmo é que este blog é mesmo mt bom.