9.14.2007
Efeito Placebo
Foto: Grant Ellis
Essa semana começou como todas as outras desde quando comecei a surfar. Sentei na minha mesa no canto da sala e fui vendo, um a um, os fantasmas se acomodarem em seus lugares. Com a forma de suas bundas moldadas nos assentos das cadeiras, pareceu quase natural que passassem o resto do dia ali sem se levantarem. O organograma inteiro da empresa, da base ao topo, remando ao som dos tambores num prédio sem janelas, sem remos, sem velas e sem vista para o mar. Eu também sou um deles e se nessa segunda-feira olhei com distância para os meus companheiros de escritório, foi para disfarçar a consciência de que também teria que passar a semana inteira sentado na fôrma que moldei para mim mesmo.
Li que o desenho da face é conseqüência de sua língua natal. A pronúncia das palavras modela os músculos do rosto que acabam por definir a sua aparência. Acredito que aconteça o mesmo com as funções que temos na vida: um carpinteiro fica com cara de carpinteiro. Como posso então me sentir tão fora de lugar num ambiente onde passo de 5 a 6 dias por semana? Me levanto, atravesso o longo corredor que leva até as salas de reunião e entro no banheiro para poder me olhar no espelho e ter certeza. Estamos ali, eu e meu reflexo, nos observando como desconhecidos que se esbarram num vagão metrô.
Realizo que quem moldou minha imagem no espelho não foi esse escritório ou as salas de reunião ao lado, os envelopes que me esperam na mesa ou os emails piscando na minha caixa-postal. Meu reflexo ganhou seus contornos depois de mais um dia de surfe. Já são quase dois anos desde a primeira vez e esse final de semana não foi diferente. Foi só mais um, como na maioria das vezes, e o mar nem estava bom, como era de se esperar. Mas isso realmente importa? Claro que não. Surfe não é o remédio. Surfe é o placebo. É a capsula cheia de açúcar que você engole, sente a febre baixar e os problemas se resolverem. Volto para minha cadeira e entendo que as coisas ficaram mais fáceis. Acabaram-se os tons de cinza e a vida passou a ser irremediavelmente mais simples: preta e branca. Surfar é bom, o resto é chato. E se com essa constatação viver ficou melhor, a segunda-feira, por outro lado, tornou-se insuportável. Tão longa que seus efeitos só foram acabar nessa sexta, quando tive coragem de postar aqui os meus tormentos. Mas, tudo bem. Amanhã é sábado, dia de remédio.
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9 comentários:
Não é a toa que a frase "There's nothing a good day of surfing won't cure" virou uma máxima pra todo surfista.
Godum
Que vc tenha uma overdose. Bom surfe.
Abração,
Carlinhos
Nao pode esquecer que esse fim de semana, por mais que estivesse merreca, fizemos uma boat trip para Ilha Grande, Praia do Sul, só nós na água e praia deserta, com direito a partida 6 da matina de lancha...isso aumenta a deprê da segunda....Aliás, Magrinho dominou o pico!!! Vindo de trás nas da série!!!Vai dar trabalho em Mentawai ano que vem....
abs.
Viva a farmácia!
Na drogaria Guarujá vai rolar alguns genéricos!
buenas olas!
Mortara
É um dos ensinamentos do Shaun Tomson:
"I will catch a wave every day, even in my mind."
Pode ser útil para as horas difíceis.
Valeu, abraço,
Gustavo
Fudido.
Eu quero ter uma cara boa. Mas atualmente tô estudando alemão. Será que fudeu?
Bonito.
abraço,
Gustavo
perfeito cara,
falasse tudo...
Keep chasing my friend!
BS
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