8.06.2007
Exílio
Uma maré gelada se agarrou ao litoral do sudeste brasileiro com determinação. Sua água escura e fria parece ter adotado as praias de São Sebastião, e também Guarujá, como morada de férias, do mesmo jeito que um gringo elege o Brasil e aqui fica, meio desbundado com a beleza e com a facilidade de se encostar. Esse mesmo mar esfriou o vento sul e sudeste e empurrou sua temperatura baixa para dentro das florestas que resistem nas montanhas do litoral norte. Esses grupos de mata fechada são como revolucionários cubanos lutando contra o capitalismo e seus lotes imobiliários. São ilhas que, ao invés de Miami, têm o desenvolvimento de São Paulo como vizinho e ameaça. Apenas com a diferença de que essa Cuba verde não vê seus moradores se jogando em balsas improvisadas rumo ao desenvolvimento e à grana. Na verdade, o que acontece é o contrário. Eu, que moro em São Paulo, me pego agora boiando em meu longboard no mar gelado e com ondas pequenas de Camburi. Têm locais juntos de mim mas a maioria dos surfistas que dominan o line up também não são daqui. Se lançaram na estrada com suas pranchas e desespero, esperando que o surfe os faça esquecer de onde precisam ganhar a vida para lembrarem de onde podem desfrutá-la. Eu sou um deles remando e torcendo para aceitarem meu pedido de asilo. Os longboards ajudam a clorir a visão pois, com exceção do meu, a maioria é pintada de cores fortes que, num dia de sol e mar azul escuro como o de hoje, saturam o espetáculo. Essa era a primeira vez que surfo com tantos caras bons. Depois de cada onda, passam por mim sujeitos que, com muita elegância, manobram seus pranchões com a desenvoltura digna de filmes. Algumas vezes, mais de um por onda e - sem deixarem o mau humor estragar o dia – sempre sorrindo por saberem que o mar é para todos. Essa visão me fez lembrar da matéria que havia lido na revista de surfe australiana Tracks, autoentitulada “A bíblia do Surfe”, sobre brasileiros invadindo aquele país. O jornalista nos descreve como desesperados, expurgados do Brasil pela pobreza, violência e corrupção pública para crowdear as cidades da Gold Coast em busca de uma vida digna e repleta de boas ondas. Termina nos dando as boas-vindas, mas com uma sugestão: que não fôssemos para as melhores praias, mas para as cidades ao lado, onde não causaríamos tanto incômodo. A unânimidade do artigo é a nossa falta de educação e de como “seríamos capazes de remar por cima de nossas próprias avós para dropar uma da série.”. Olho para o meu reflexo n’água, me viro e vejo todos os outros que estão surfando ao meu redor, felizes e silenciosos. Não nos reconheço naquela descrição. Não nesse dia.
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3 comentários:
Muito legal o texto, Felipe. Quanto à parte da Australia, infelizmente a fama de nós brasileiros parece que só tem piorado. Morei lá de 99 a 2001. Naquele país, quem fica na sua, sem rabear e sem ficar querendo remar em todas, certamente faz a cabeça e muito dificilmente é hostilizado, independente da nacionalidade. Não li a matéria da Tracks mag, mas fico triste que isso esteja ocorrendo. Se chegou ao ponto de fazerem uma matéria, talvez seja porque o número cada vez maior de brasileiros por lá não esteja, em sua maioria, respeitando a cultura surf aussie. Abraço, Gustavo.
O curioso da matéria é que nela, todos dizem que na Austrália somos educados, mas na Indonésia nos comportamos como loucos. Ela começa lembrando que depois do 09.11 os EUA endureceram os critérios de imigração, o que levou mais brasileiros para aquelas águas.
abrs
muito bom teu blog cara...
falow
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