1.20.2008

Stormy Monday em Mundaka - Por Carlos Lobo

Entre os dias 9 e 12 de setembro de 1993 acontecia o Pukas Fortuna Surf, etapa do WQS em Zarautz na Espanha. Não me lembro muita coisa da competição em si, mas me recordo que na manhã de domingo a final foi vencida por Mark Bannister numas merrecas de centímetros, quase insurfáveis, e por ironia logo depois o mar começou a subir muito rápido. No meio do dia já estava enorme com ondas fechando em toda a extensão da praia. Naquela mesma tarde a meca do surf mundial saiu numa grande caravana rumo a Portugal, sede da próxima etapa. No meio do caminho havia Mundaka. Estava indo sozinho no meu carro/casa quando alguém pediu que eu desse carona pra um moleque peruano magrinho que devia ter uns 18 anos. No caminho Cristian me contou várias histórias sobre as ondas no Peru, principalmente Pico Alto. Dizia que já tinha surfado ondas enormes lá e eu fiquei achando que era meio cascata. Chegamos na vila de Mundaka de noite e fomos direto para a mureta do porto aonde já tinha um monte de gente encasacada olhando o mar. Não dava pra ver as ondas, mas o som do mar era ensurdecedor e a adrenalina estava em todos os olhares. Estacionei meu carro ao lado do furgão azul da galera de Ubatuba onde o Datinho, irmão do Tadeu Pereira, tinha pintado na lataria um enorme “ROTA”, numa alusão a temida polícia paulistana. Dormiam nele o Mariano Tucat, o Renatinho e o Peterson Rosa, as novas promessas do surf brasileiro. Naquela noite todo mundo foi dormir meio grilado. Ainda estava meio escuro quando acordei com os gritos do Peterson que já estava de longjohn convocando todo mundo pra ir pra água. O dia estava cinzento e frio e fui ver o mar. As ondas estavam enormes, devia ter no mínimo uns 15 pés, e o mar totalmente storm e mexido, a água barrenta e fria. Nessas horas não deve ser nada bom ser surfista profissional, a pressão sobre os caras era evidente, mas a verdade é que entre a tropa de elite do surf mundial, que neste momento já lotava a mureta, não havia movimentação que indicasse que alguém iria encarar o desafio. E não faltava motivo. O cenário era apocalíptico. Mundaka quebra na foz de um grande rio e naquele dia o mar estava tão grande que literalmente arrancou das margens árvores de um bom tamanho e a situação era a seguinte: as árvores boiando eram carregadas pelas ondas rio adentro até chegarem no canal quando encontravam uma correnteza no sentido contrário que as levavam de volta pra debaixo do pico num circuito interminável. Ou seja, o medo não era só de dropar ondas enormes e mexidas, precisava ainda ficar ligado pra não “arborizar”, pegando emprestado um termo do vôo livre. Eu estava ao lado da marina, uma enseada bem pequena construída artificialmente com muros de pedra pra proteger os barcos dos pescadores. Um grande volume de água entrava e saía dela criando um sistema de fluxo e refluxo assustador. De repente vi uma das cenas mais incríveis da minha vida. Formou-se um redemoinho no meio da enseada que simplesmente tragou uma traineira de pesca robusta de uns dez metros como se fosse de brinquedo. O barco não afundou, ficou boiando com o casco virado pra cima e foi expulso da marina. Agora não tinham somente árvores pra desviar, havia uma traineira que sumia e reaparecia repentinamente no meio das ondas. Bom, mas sempre tem um maluco. Neste caso tinham quatro. Peterson, apesar de ser muito novo já justificava o apelido de “Bronco” e foi o primeiro a ir pra água sem nenhuma hesitação. O peruano magrinho pra quem dei carona era “cascudo” mesmo e foi o segundo a cair. Teve mais um surfista espanhol, se não me engano Dani Garcia, e por último, Johnny Boy Gomes, que apesar do status de lenda havaiana deu uma senhora miguelada. Ficou dez minutinhos dentro d’água, entrou numa onda já meio que virando pra sair e voltou remando pra marina mostrando uma quilha quebrada e tratou de sumir do mapa. Os outros três fizeram um autêntico show pra galera que ia ao delírio a cada drop suicida, a cada colocada pra dentro insana e a cada desviada das árvores ou do barco. No final da tarde o mar já começaria a baixar e no dia seguinte Mundaka quebrou grande ainda, mas perfeito, e os pros deram então seu espetáculo apesar dos tubos mais profundos serem sempre dos locais espanhóis que passavam a onda inteira entocados. Eu, surfista calhorda, só fui cair no outro dia quando as ondas amanheceram com aturáveis 1,5 m e mesmo assim passei sufoco, pois a onda é muito oca e rápida, o terral é forte e dificulta o drop e a correnteza cansativa. Foi muita sorte poder surfar por dois dias uma onda lendária como Mundaka, mas ter testemunhado de camarote aquela stormy monday september session talvez tenha sido a grande recompensa desta trip.
Por incrível que pareça não tenho nenhum registro deste dia, mas fuçando no Youtube encontrei 2 filminhos que ajudam a dar uma idéia do power do lugar.



3 comentários:

Anônimo disse...

No cult-video do Pepe Cezar, 002, tem esse Mundaka (Tubaka) ao som dos Gipsy Kings (!?).
Épico.
Julio Adler

Godum disse...

Inacreditável essa primeira onda!Uma morra da série,varrendo a galera.
E o que é o conhecimento do pico,dá pra ver os locais,que não são necessariamente nenhum surfista fora de série,mas dropando reto,virando,colocando no trilho e tirando vários tubaços.
Foda é o crowd.
Lobo esse dia do video tava maior que o dia que vc presenciou?

Anônimo disse...

Ótima estória. Pena que não há tantos blogs com esse tipo de narrativa surfística. E onde anda o Mariano Tucat?